Ex-funcionário virou concorrente?
02/06/2025
Decisão do STJ alerta sobre a urgência de contratos robustos
Você já se preocupou com a possibilidade de um funcionário essencial deixar sua empresa e, pouco tempo depois, se tornar seu principal concorrente, utilizando todo o conhecimento e relacionamento com clientes que adquiriu internamente?
Esse receio é comum e, infelizmente, pode se tornar realidade. Uma decisão recente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) – especificamente o Recurso Especial nº 2.047.758-SP, julgado em abril de 2025 – serve como um importante alerta: a proteção da sua empresa contra esse tipo de "fuga de capital humano e intelectual" depende, fundamentalmente, da qualidade dos seus contratos.
O caso real: o que aconteceu e o que o STJ disse?
No caso julgado pelo STJ, ex-colaboradores foram acusados de começar a desviar clientes e organizar uma nova empresa concorrente enquanto ainda trabalhavam para o antigo patrão.
O Tribunal confirmou que essa “sabotagem interna” é, sim, concorrência desleal e que a empresa lesada tem direito a ser indenizada pelos prejuízos sofridos durante esse período.
Afinal, enquanto há um contrato de trabalho vigente, o funcionário deve lealdade ao empregador, um princípio básico que deriva da boa-fé esperada em todas as relações contratuais, conforme estabelece o Código Civil (art. 422). A Lei de Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/1996) também considera crime o desvio fraudulento de clientela (art. 195, III).
A surpresa para muitos pode vir agora: o STJ também disse que, após a demissão e como não havia uma “cláusula de não concorrência” no contrato desses ex-funcionários, a atuação deles no mercado, mesmo buscando antigos clientes, passou a ser encarada, em grande medida, como parte do jogo da livre concorrência, um direito assegurado pela Constituição Federal (art. 170, IV).
Ou seja, a empresa ficou de mãos atadas quanto aos atos praticados depois que eles saíram.
O elo perdido: a cláusula de não concorrência e outras proteções contratuais
A grande lição deste caso do STJ é a importância vital da cláusula de não concorrência (também conhecida como non-compete agreement).
Esse tipo de acordo, quando bem redigido, estabelece que, após o desligamento, o ex-colaborador não poderá atuar em concorrência direta com a antiga empresa por um período determinado (por exemplo, de 1 a 2 anos), numa região geográfica específica e dentro de um ramo de atividade definido.
É comum e recomendável que essa restrição venha acompanhada de uma compensação financeira ao ex-empregado durante o período de vigência da cláusula, para garantir sua validade e equilíbrio.
Sem essa proteção formal, como no caso analisado pelo STJ, o caminho fica mais livre para o ex-funcionário usar o que aprendeu para competir diretamente com você, muitas vezes levando consigo informações valiosas e até mesmo clientes.
Cláusulas complementares essenciais
Além da cláusula de não concorrência, outros escudos contratuais são essenciais para proteger o patrimônio intelectual e comercial da sua empresa:
Cláusula de Confidencialidade (NDA – Non-Disclosure Agreement)
Garante que segredos do negócio, listas de clientes, estratégias de precificação, planos de marketing, dados financeiros, fórmulas, metodologias e qualquer outra informação sensível não sejam revelados ou utilizados indevidamente, mesmo após o término do contrato de trabalho.
Cláusula de Não Aliciamento (Non-Solicitation Clause)
Pode ser dividida em duas frentes:
- Não aliciamento de clientes: impede que o ex-funcionário, por um período determinado, procure ativamente os clientes da antiga empresa com os quais teve contato significativo.
- Não aliciamento de funcionários: dificulta que o ex-empregado convide seus melhores talentos para a nova empreitada concorrente.
Como agir? Recomendações práticas para blindar sua empresa
Faça uma auditoria contratual urgente
Revise os contratos de trabalho atuais, principalmente de cargos estratégicos, para verificar se estão protegendo adequadamente a empresa.
Invista em contratos personalizados
Evite modelos genéricos. Contratos bem elaborados e personalizados são fundamentais para garantir proteção real.
Compensação na cláusula de não concorrência
Inclua compensação financeira proporcional e justa para garantir a validade da cláusula de não concorrência.
Documente o acesso a informações estratégicas
Mantenha registros formais sobre o acesso dos colaboradores a dados confidenciais. Treinamentos sobre confidencialidade também são recomendáveis.
Aja rápido em caso de suspeita durante o vínculo
Coleta de provas lícitas e medidas jurídicas adequadas devem ser consideradas ao menor sinal de má-fé durante a vigência do contrato.
Promova uma cultura de ética e retenção de talentos
Contratos protegem, mas ambiente saudável e valorização interna retêm.
Conclusão: prevenir é proteger seu maior ativo
A decisão do STJ no Recurso Especial nº 2.047.758-SP não é apenas mais um julgado; é um sinal de alerta para o mundo empresarial. Ela demonstra, na prática, como a ausência de proteções contratuais adequadas pode deixar sua empresa vulnerável à concorrência que surge de quem mais conhece seus pontos fortes e fracos: seus ex-colaboradores.
O investimento em contratos de trabalho estratégicos, claros e juridicamente sólidos é muito menor do que o custo de uma disputa judicial prolongada, da perda de mercado e da evasão de talentos.
Conceitos Jurídicos Essenciais
Cláusula de Confidencialidade (NDA – Non-Disclosure Agreement):
Acordo legal que estabelece a obrigação de não divulgar informações consideradas confidenciais ou secretas de uma das partes (geralmente a empresa) pela outra parte (geralmente o empregado ou ex-empregado).
Cláusula de Não Aliciamento (Non-Solicitation Clause):
Disposição contratual que visa impedir que um ex-empregado, por um determinado período após o término do seu contrato de trabalho, tente ativamente recrutar ou “roubar” clientes ou outros funcionários da empresa para a qual trabalhava.
Cláusula de Não Concorrência (Non-Compete Clause / Pacto de Não Concorrência):
Acordo inserido em um contrato (geralmente o de trabalho) pelo qual uma das partes (o empregado) se compromete a não exercer atividade profissional que concorra com a da outra parte (o empregador) por um determinado período, em uma área geográfica específica e, idealmente, mediante uma compensação financeira.
Concorrência Desleal:
Prática de atos ilícitos ou fraudulentos no âmbito da concorrência comercial, com o objetivo de angariar clientela ou prejudicar concorrentes, violando a ética empresarial e a legislação. Exemplos incluem o desvio de clientela por meios ardilosos, apropriação de segredo de empresa, entre outros.
Contrato de Trabalho:
Acordo, tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego, pelo qual uma pessoa física (empregado) se obriga a prestar serviços não eventuais a outra pessoa, física ou jurídica (empregador), sob a dependência desta e mediante salário.
Dever de Lealdade e Boa-fé:
Princípios jurídicos que impõem às partes de um contrato (inclusive o de trabalho) a obrigação de agir com honestidade, probidade, confiança e respeito mútuo, tanto na celebração quanto na execução e conclusão do contrato. O art. 422 do Código Civil é um dos pilares desse dever.
Desvio de Clientela:
Ato de atrair, por meios ilícitos ou antiéticos, os clientes de um concorrente para si.
Know-how (Saber Como):
Conjunto de conhecimentos práticos, técnicas, experiências e informações sigilosas acumuladas por uma empresa, que lhe conferem vantagem competitiva no mercado. Não necessariamente patenteável, mas de grande valor estratégico.
Livre Concorrência:
Princípio constitucional (art. 170, IV, da Constituição Federal) que assegura a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei, e reprime o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.
Perdas e Danos:
Prejuízos materiais (danos emergentes e lucros cessantes) e morais sofridos por alguém em decorrência de ato ilícito ou descumprimento contratual de outrem, gerando o direito à indenização.
Recurso Especial (REsp):
Modalidade de recurso judicial dirigido ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) que visa uniformizar a interpretação da lei federal em todo o território nacional, quando uma decisão de tribunal de segunda instância contraria lei federal ou lhe dá interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal.
Segredo de Empresa (ou Segredo Industrial):
Informação confidencial de natureza técnica, comercial ou industrial, cujo detentor toma medidas para manter em sigilo e que lhe confere vantagem competitiva. Sua divulgação ou uso não autorizado pode configurar concorrência desleal.
Superior Tribunal de Justiça (STJ):
Órgão do Poder Judiciário brasileiro responsável, primordialmente, por uniformizar a interpretação da legislação federal infraconstitucional.
Ivan Barbiero Filho
CASCAES, HIRT & LEIRIA ADVOCACIA EMPRESARIAL
OAB/SC 52.715